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Pelo fim da ficção eu me mantenho na alucinação da realidade!
Narciso não atingiu a categoria de mito...
Ele sequer teve um blog!
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a pegadinha mais bonita da cidade (ou isso não é uma história de amor)

viagem marcada há meses para o congresso mais bonito da cidade.
1° dia na universidade mais bonita da cidade. tudo corria bem. intervalo das atividades e ela vê, no corredor, a pessoa mais bonita da cidade, “à serviço” no local. aquele tipo de se pensar “é meu tipo” e de se ter vontade de olhar até secar os olhos porque (ao menos) olhar um cara bonito é sempre prazeroso. (horas mais tarde, esta tese da beleza admirável foi confirmada com sua amiga que também o percebera com admiração). enfim, ela admirou despercebidamente a beleza do cara e não pode evitar aqueles pensamentos desejantes de “ah, se fosse para mim... o que eu poderia fazer com um desses...” e o dia transcorreu. naquela noite ela saiu para beber várias cervejas com os amigos e não viu pessoa mais bonita na cidade que aquele cara.
2° dia de manhã e ela está assistindo uma mesa redonda do congresso com a ressaca mais bonita da cidade. alguns velhos conhecidos discutindo os velhos temas discutíveis. ela tentando manter-se interessada, acordada e pensante. mas, bem, ela sempre vaga sua mente e percorre o tempo e o espaço, procurando outros estímulos. e o destino, quando quer provocar, capricha. justo ela, que estava insignificantemente sentada no fundo da sala, ao levantar os olhos do caderno de notas, com desejos de saída da sala, cruza, de relance, os seus olhos, com um par de olhos que a olha desde o outro canto da sala. eis que o cara mais bonito da cidade estava sentado ali, disfarçadamente entre tantos tipos comuns, e conectou seu belo par de olhos com os dela. e de tal forma direta e incisiva que seu único reflexo (após o sobressalto), foi de desviar o olhar do dele. obviamente que a idéia inicial dela era a de que ele olhava para outra pessoa. mas não. até porque houve um encontro direto entre seus olhares. na melhor das hipóteses, passou a crer que a situação tivesse ocorrido de maneira acidental ou, pelo menos, circunstancial. mas isso também foi descartado quando ela percebeu que, mesmo desviando o olhar, quando voltava a encará-lo encontrava o olhar dele em si, fixo, implacável. neste momento ela teve a dimensão exata de como é “sentir-se arrepiada” por um olhar como certa feita quis dizer Tom Jobim. uma mistura de estado de graça, ceticismo, desejo e incredulidade tomaram conta dela e fizeram com que nem som, nem ar, nem ressaca, nem velhos conhecidos com suas velhas discussões tivessem importância. por mais que tentasse (e quisesse) já não conseguia mais desviar o seu olhar do cara mais bonito da cidade. e assim ficaram ao longo de toda a manhã quando, na saída, sem saber exatamente o que fazer, se perdeu nos corredores e o perdeu de vista. sem mais revê-lo passou a tarde, entre cervejas, risadas e pensamentos furtivos. final do dia, uma festa de confraternização estava programada. mas a guria mais responsável da cidade entendeu por bem não participar, pois além de estar morta, no dia seguinte tinha de apresentar o trabalho mais bonito da cidade. depois de mais algumas cervejas, voltou para o hotel. seus amigos, no entanto, foram e voltaram às 4h da manhã. disseram que o viram por lá, numa rápida aparição solitária. aí ela percebeu que tinha cometido a bobagem mais bonita da cidade ao preferir o trabalho à diversão.
3° dia e ela foi para a palestra imperdível da orientadora com a fala mais bonita da cidade. ainda de ressaca (agora moral), assistia tudo com a atenção focada nos palestrantes. acabadas as exposições, abriu-se espaço para perguntas. do fundo da sala ouviu-se o sotaque carregado da voz de um homem, apresentando-se e compondo um questionamento sobre seu tema de pesquisa. ao virar-se para olhá-lo, a surpresa: novamente a presença arrebatadora do cara mais bonito da cidade acompanhando a mesa onde ela estava. e novamente ela não teve reação alguma para ir falar com ele ao final das palestras. poderia usar como desculpa o tema de pesquisa dele (que conhecia bem) e as referências do seu orientador (que o estudara muito), mas não. sentia-se confusa sobre o que fazer com relação àquela pessoa que a olhava com aquele par de olhos desconcertantes. presença de espírito zero. deixou passar a segunda chance mais bonita da cidade de ir falar com o cara que, no dia anterior, lhe havia comido com os olhos enquanto ela não tomou uma atitude (qualquer uma que não fosse fingir que nada estivesse acontecendo, como fez). foi almoçar e seguiu ansiosa para a apresentação do seu trabalho, distante dali. no caminho, pensava que tudo poderia ser uma bobagem, uma troca de olhares sem qualquer pretensão. ou até mesmo um grande mau entendido de sua parte. justificava-se pensando ser tão improvável uma mulher comum chamar a atenção de um homem tão sexualmente atraente que preferiu não arriscar... em poucas horas estaria voltando para casa e tudo seria esquecido. mas não podia deixar de pensar que, por não ser mais espirituosa, perdia a oportunidade mais bonita da cidade de ter um relacionamento fugaz com um lindo desconhecido. apresentado o trabalho, ao final do dia, voltou para o hotel. jantou, fez as malas e seguiu com seus amigos em direção à parada do ônibus que levava ao aeroporto. ela carregava sua mala mais a frente dos demais, na companhia de uma amiga quando, de repente, a uma quadra do mercado mais conhecido da cidade, ouviu a amiga dizer: “olha só quem está vindo ali”. ela levantou os olhos e tinha diante dela, a alguns metros de distância, vindo na direção oposta, o homem mais bonito da cidade, caminhando lentamente acompanhado por seu cigarro. absolutamente surpreendida pelo ironia do destino, ela novamente não sabia fazer outra coisa que não olhá-lo passar por eles, com o sangue gelado correndo nas veias. ele seguia andando e olhando para ela com os mesmos olhos do dia anterior. ela o seguia com os mesmos olhos arredios de antes. seguia caminhando e arrastando a mala. diminuía o passo e virava para olhá-lo. ele fazia a mesma coisa no sentido contrário. por um instante, ela parou e novamente pensou naquilo que acontecia. lentamente, deixou a mala no chão. e ele parado, já no início da outra quadra, olhando para ela. ela lançou um olhar vacilante e cúmplice para a amiga. e caminhou lentamente na direção dele. ele permanecia parado, fumando e olhando fixamente para ela. ela aproximou-se dele e, sem sequer cumprimentar-lhe ou perguntar-lhe o nome, tomou-lhe um beijo de despedida. ele não hesitou ou resistiu. a trouxe para junto de si com um largo abraço. beijaram-se como os velhos apaixonados nos grandes beijos de despedida. ao abrir os olhos, tinha os olhos dele nos seus. mas agora estavam próximos e pareciam queimar-lhe a retina. apenas sorriram. ela lhe deu as costas e seguiu andando ao encontro de seus amigos que, à distância, observavam atônitos. na metade da quadra virou-se para vê-lo e ele continuava parado, acendendo outro cigarro e olhando para ela. ao pegar sua mala, ela acenou sorrindo com o braço quase estendido, como quem tentasse alcançá-lo. ele respondeu ao seu aceno ainda parado no meio da calçada. seguiu andando e virava para olhá-la, deixando para trás apenas as baforadas do cigarro. ela continuou andando, certa de que, no terceiro ato do destino, prot/agonizara a despedida mais bonita da cidade...

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Na minha visita à Paris, há poucos mais de 1 ano, um lugar não foi objeto de concessão. Eu poderia não entrar no Louvre, no Panthéon de Paris, na torre Eiffel ou não passar pelo College de France, pela Champs Élysées e pelo Moulin Rouge. Saí para Paris com uma destinação certa: Cimetière du Père Lachaise.

Numa manhã primaveril, entre corvos crocitando, contei com a gentileza de um funcionário do cemitério que, ao me ver com o mapa nas mãos verificando as indicações, supôs quem eu estava procurando... A alguns passos de mim, jazia ali o homem mais fascinante que já pisou sobre a Terra.
E eu, que não vivi o suficiente para vê-lo vivo, segui Paris afora me sentindo mais saudosa de sua presença...
 
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