0

bjus insuportavelmente poéticos

Foto de Brassaï - Década de 1930

para uma pessoa que sabe que
o amor paira sobre as convenções
os tratados e as leis
a moral e os bons costumes
existe apesar dos gênios
dos ciúmes e dos horários de trabalho
existe apesar do tempo
da penhora da aliança de compromisso
e do extravio do livro do Machado
existe apesar de deixarmos o amor partir
para que ele volte
se assim por bem entender
existe apesar do porre que tomamos para esquecê-lo
dos quilos a mais que ganhamos
e dos esquecimentos da lista de compras
existe apesar de tudo que idealizamos
e que não foi possível concretizar.
e continua, en-fim,
de maneira incondicional
resiste às intempéries,
enfrenta a vida,
desafia a dor e a morte.
3

entre olhares

Ele lançava um olhar fixo sobre mim. Curioso, investigativo, como se discretamente procurasse na superfície do meu corpo algum indício que respondesse às suas perguntas. Silenciosamente, o olhar dele me encontrava por entre as outras pessoas e, assim, ele me percorria e me tinha sob seu controle. Eram como duas pedras que reluziam, frias e magnéticas, que me seguiam a cada movimento. Mesmo que eu quisesse, jamais me perderia entre uma multidão de passantes sob aquele olhar. Mas eu não queria. Na verdade, gostava de ver até onde ia. Sem desafiá-lo, fitava-o e sustentava o meu olhar por alguns instantes até que, por fim, desviava os olhos.
Às vezes, podia jurar que via seus lábios moverem-se. Pareciam esboçar alguma intenção de me dizer algo. Mas dificilmente partia dele a iniciativa de dizer qualquer coisa que fosse. Quando ocorria, era muito mais fruto de algo que eu anteriormente comentara vagamente e que lhe deixara pensando alguns instantes. Nestas ocasiões, ele me olhava fixamente e, em geral, as frases iniciavam com “Por que tu acha que...” ou “O que tu quis dizer quando...”. Eram produtos da sua investigação sobre mim. Ou, talvez, eram produtos da sua investigação sobre si: sobre o impacto que seu olhar meu causava.
 
Copyright © oblogueobliquo