Lavrado o flagrante, o inquérito policial foi encaminhado ao Ministério Público que procedeu com a denúncia. O juízo recebeu a denúncia por tráfico ilícito de entorpecentes. O acusado foi citado, interrogado e o processo transcorreu em normalidade. Nos autos constatou-se a materialidade dos fatos alegados, conforme exames juntados. Quando interrogado, o acusado confessou estar de posse de referida substância, alegando, no entanto, que era para uso próprio. Comprovada a autoria e materialidade, fora acolhida a acusação e condenado o denunciado. Na sentença, fica evidente a grande reprovabilidade da conduta, totalmente nociva ao meio social, bem como a personalidade violenta do acusado que reagira com resistência e agressividade à autoridade policial. Conduta social desabonadora, ao expor a saúde pública a perigo, face ao delito que praticou. A pena imposta foi de 8 anos e 5 dias de prisão em regime inicial fechado.
Iniciou o cumprimento da pena na Cadeia Pública da cidade de Valas/MT, em cela individual, dividida com outros 12 reclusos. Após 7 meses de cumprimento, o apenado passou a desenvolver atitude de isolamento e histeria, recusando alimentação e tendo crises recorrentes de choro. Avaliado pela junta médica e psiquiátrica, foi constatado quadro depressivo agudo, com relato de ilusões auditivas mais frequentes no período noturno. Recomendada a conversão da pena privativa de liberdade em medida de segurança, pelo prazo de 3 anos prorrogáveis, a ser cumprida em hospital psiquiátrico forense daquela cidade.
Encaminhado ao hospital de custódia, o internado relata no exame psiquiátrico dores no peito, fadiga, falta de ar e crises de pânico, desde que fora recolhido na Cadeia Pública. Alega que suas dores de cabeça agravaram-se e que lhe eram fornecidas 2 aspirinas por semana. Informa episódios noturnos com pesadelos e ilusões auditivas utilizados como justifica de suas duas tentativas de suicídio.
Quanto ao crime praticado, nega os fatos elaborando quadro paranóide. Afirma tratar-se de um antropólogo, que desenvolve uma mapeamento genético das comunidades indígenas do Parque Nacional do Xingu e que está sendo perseguido pelas autoridades locais. Diz que a substância encontrada consigo era o medicamento que utilizava para a neurastenia e que, mesmo em grande quantidade, era para consumo próprio. Afirma que as ampolas, seringas e bolsa térmica encontrados em seu poder era seu material de pesquisa, utilizados para a coleta de sangue de seus pesquisados. Fala com fluidez e desenvoltura e não demonstra arrependimento dos fatos praticados. Alterna uma postura vitimizada com um discurso rebelde e ameaçador. Relata que mudou-se para o Mato Grosso aos 15 anos para trabalhar, deixando sua mãe e irmão no interior de Quaraí/RS.
Quanto ao histórico de vida, há registros de que não conheceu o pai, que foi morto antes de seu nascimento. A mãe trabalhava em um bar na beira da BR-290 e foi presa duas vezes por desacato à autoridade. Perdeu o contato com os familiares a mais de 8 anos, não sabendo precisar onde encontrá-los. Não estabeleceu outros laços familiares, não casou ou possui filhos. Seu único relacionamento afetivo foi aos 24 anos e durou cerca de 9 meses, quando foi rompido sob suspeita de traição, causando-lhe sério trauma a separação. Desde então, passou a morar sozinho, em companhia de 6 gatos.
Através de personalidade rude, demonstra ser arredio e amargurado. Teve diversas tentativas de trabalho, com improdutividade profissional, em tarefas simples e tacanhas. Envolvia-se em brigas, discussões e passou a beber e frequentar bares em regiões de prostituição. A vivência de rejeição e ausência de vínculos afetivos o impulsionaram para a vida criminosa, não possuindo juízo crítico quanto aos atos que pratica. Recita poemas de Fernando Pessoa, canta tangos de Astor Piazolla, adora à Raul Seixas e assedia funcionárias. Investiu contra uma enfermeira, precisando ser medicado e isolado por duas semanas. Entretanto, nega os fatos afirmando que ambos mantêm um romance. Demonstra insensibilidade e frieza no trato com os demais internos, retórica estereotipada do que entende por amor e liberdade, discurso desafiador e visão instrumental e objetificante das demais pessoas. Personalidade manifestamente perigosa, de difícil recuperação, ainda não beneficiado com o tratamento penitenciário. Inapto para o convívio em sociedade.
Recomendo a administração diária de 33ml de globiscamina por via intravenosa, sedação e doses de 500mg de ácido acetilsalicílico, via oral, diárias. Sugiro a restrição de acesso do internado aos livros, jornais e ao rádio como forma de auxiliar no seu tratamento terapêutico, diminuindo, assim, a recorrência dos delírios.
Júlio César Teophilus
Egologista
CREgo 78.541
Valas/Mato Grosso, 6 de julho de 2048.
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