Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar
senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto
existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar
uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como nódoa do passado
Eu deixarei...
tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só
como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.
De todos os pecados, a inveja é a única discriminada. Ninguém tem vergonha de se assumir guloso ou preguiçoso. Alguns ponderam e se reconhecem irados ou avaros. Lascivo ou vaidoso então, pode até pegar bem dizer-se ser. Agora a inveja ninguém assume. Interessante! É a amante. A namorada esquisita dos bastidores da vida. É a moralização da moral religiosa.
A rua estava deserta. A noite fria.
Uma neblina embranquecida
Fazia com que apenas alguns metros do caminho em frente fosse visível.
Ela voltava do bar, a pé, pelo meio da rua.
O asfalto úmido reluzia uma luz que não tinha.
Estava ela e o silêncio.
De súbito, gritou “MARCOS!” a plenos pulmões,
Com toda sua força e potência,
Prolongando a última sílaba.
E foi possível perceber algumas sombras assustadas
Fugindo do caminho.
Um cachorro, temeroso, latiu ao longe.
Seguiu andando.
Ela, o silêncio e seus passos.
Na estrada novamente, hoje. Uma viagem de bus na tarde
ensolarada. Nos fones, as velhas bandas de rock que eu escuto desde a
adolescência. A paisagem correndo rápida lá fora, nesgas de sol entrando pela
janela aberta e o vento sacudindo as cortinas. Apesar do nariz entupido, de uma
gripe intempestiva, eu conseguia sentir o cheiro do novo. É com esse vento no
rosto que eu me dou conta de como sou feliz em trânsito, comendo estrada, desafixada
de qualquer lugar. De como me fascina a porvir dos caminhos. Que venha o novo
que coabita o hoje! Gratidão aos que me aceitam e me acolhem entre minhas
andanças. E, sobretudo, nas minhas paradas.
de todas as suas penas a que mais lamentava era a de que ele era muito grande para caber na sua caixa de lápis de cor e emprestar para todos os tons o irresistível colorido da sua presença
Uma profusão de palavras, frases, adjuntos perdidos
Explicações soltas, argumentos vacilantes.
Ponta dos dedos frios, tensos, apressados
Que desafiam o tempo e os prazos
Na manhã fria e ensolarada de maio.
Diversos autores na minha solidão
Buscando dar sentido ao pensamento
Tão confuso quanto tudo o mais que eu sinto.
Entre a introdução que nunca termina
E a conclusão que nunca chega
Um mate.
Entre a releitura dos parágrafos
E a reflexão sobre o tema
A lembrança furtiva do teu sorriso.
eu me nego ao “viveram felizes para sempre”. simplesmente porque
viver para sempre é vão e viver feliz para sempre é me negar permanentemente a minha
dor, a sensação dos dias tristes, nos quais reflito sobre as pessoas, as
relações e as coisas que me afetam, porque me afetam e como me afetam. eu preciso
dos meus momentos sombrios, da minha sombra para fortalecer minha luz. em uma
parceria, a dor ajuda a crescer forte no apoio mútuo, no abraço apertado, no
olhar compassivo que seca a lágrima no rosto do outro enquanto também chora,
que diz uma palavra doce ou apenas beija um beijo quieto, silente, carregado de
sentidos.