tocou a campainha e sacudia o corpo diante da porta para espantar o frio.
mãos nos bolsos, a cara enterrada na gola da jaqueta.
tinha a ponta do nariz vermelho, colorindo o rosto pálido e cansado.
ela demorou para abrir a porta.
não avisara que viria. na verdade não saiu para isso.
mas não pode deixar de ir vê-la depois de ouvir a música “dela” no rádio.
ela abriu a porta e pulou no pescoço dele.
ele envolveu aquele corpo pequeno no seu abraço. inebriou-se com o cheiro dela.
ela sorriu um sorriso largo. ficava mais linda em pijamas.
tirou do bolso da jaqueta uma caixinha de remédios e alcançou-lhe. o antialérgico dela. - tu esqueceu lá em casa. ia te ligar pra te avisar, mas resolvi trazer duma vez. pensei que tu pudesse tá precisando dele. o tempo anda ruim. disse entre sorrisos vacilantes.
ela sorria. talvez agora o sorriso tivesse se espalhado por todo o rosto e alcançava o nariz, os olhos, as orelhas. tudo nela era sorriso.
- quer entrar? tá frio aqui fora. tô tomando um vinho.
entraram. beberam o vinho. conversaram amenidades.
ele percebia que ela tinha o corpo mole pelo vinho e em alguns momentos apoiava-se na discussão para não cair no assunto que realmente interessava naquele momento. fazia alguns comentários vagos, mas nada que pudesse comprometê-la ou sobre os quais pudesse ser responsabilizada no futuro.
ele mantinha-se na sua pose de homem-persona, apesar de um pouco mais relaxado com o fim da garrafa. carinhoso, espirituoso, mas centrado. nenhum movimento que fugisse do eixo onde gravitam as terminologias respeitosas e respeitáveis dos homens que querem impressionar uma mulher por sua educação.
entre as palavras soltas, o silêncio se impunha inconvenientemente em várias ocasiões. nada que não justificasse o acendimento de mais um cigarro. assim ficaram por umas horas. era como a cena de um filme, devidamente marcada e cujo final era conhecido de ambos.
- tá ficando tarde. é melhor eu ir. ele disse com um ar reticente. olhava para ela. e a tinha linda e sorridente diante de si. quase uma afronta ao seu desejo de pegá-la e beijá-la até que, enfim, o mundo acabasse lá fora e nada mais importasse além disso. mas não o fez.
foi embora.
ao chegar em casa, percebeu que estava sem a jaqueta.
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