[...]
o gato,
só
o gato
apareceu
completo
e
orgulhoso:
nasceu
completamente terminado,
anda
sozinho e sabe o que quer. [...]
Ode
ao Gato - Pablo Neruda
Os gatos são gatos porque nascem gatos. Para
Lyotard, “se humanos nascessem humanos tal como os gatos nascem
gatos (com poucas horas de diferença) não seria possível ¾ e nem sequer digo desejável, o que torna a questão
diferente ¾ educá-los”. Contudo, o homem necessita
preencher sua (in)completude para tornar-se mais humano. É preciso apre(e)nder
valores, (re)conhecer saberes e atingir resultados. É preciso não perder tempo:
ensinar depressa, aprender depressa, esquecer depressa. Para acompanhar o
desenvolvimento, tornar-se mais civilizado, mais racionalizado, enfim, mais
humano, é preciso ir em busca do tempo perdido. Perder tempo apenas com as
informações úteis. É preciso, pois, controlar o aprender. Cria-se a disciplina,
a ordem, o código a ser seguido. A lógica violenta da racionalização produz a
violência totalizante do ensinar. O controle do processo de aprender, através
de um único caminho para se percorrer, uma única verdade a se encontrar e o
único resultado possível. Uma única fé para uma única salvação. Para cada norma
um desvio, para cada desviante anormal uma pena. “Ao vencedor as batatas!”
Àqueles que não se enquadram há a tolerância pela justificativa psicologizada,
a medicalização de melhoramento ou a punição pela repetição da mecânica do
aprender. Mas é possível controlar o apre(e)nder? É possível apreender sem a
verdade? A comunicação atende à lógica da linguagem pela designação,
manifestação e significação. É preciso nomear as coisas de maneira específica,
através de estruturas impostas de maneira arbitrária, como categorias inatas do
homem, universais, objetivas, imutáveis. O discurso científico do poder e da
linguagem como código transparente representam a realidade, buscam e
(des)cobrem a verdade do objeto isolando-o. Mas, apesar disto há o sentido.
Algo incorpóreo que subsiste (in)diretamente na proposição. Está além e aquém das
palavras elas mesmas. Mas ainda assim, é preciso dizer a verdade. Eu,
consciente, penso e desvelo um mundo dado. Para ser salvo, é preciso, através
da doutrina (e somente através dela), ter a revelação do objeto. E o discurso
pedagógico legitima seu lugar e sua fala pela voz do saber, aquela que o aluno
aprende e (re)produz. De maneira organizada, normatizada e segura. Sem
conflitos ou imprevisibilidades. Entretanto, existem os discursos apesar disto.
Há o esquecimento: a ilusão referencial que naturaliza a palavra (e o objeto) e
a ilusão de sermos a origem do que dizemos. Há a ruptura da tensão entre a
polissemia e a paráfrase, que articulam mesmo e diferente, dito e não dito,
sujeitos e sentidos. Há a inquietação do questionamento, da busca do sentido daquilo
que se busca. Há, pois, a vontade de (in)subordinação, a vontade de
transgressão, de desvio, de fuga.
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