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Eu era bem pequena quando aprendi a andar de bicicleta. Usei
aquelas com as rodinhas laterais, até uma determinada época em que meu irmão
começou a me ajudar a andar sem elas. No início retirou uma, de forma que, se
eu perdesse o equilíbrio, ainda podia contar com o apoio da outra em um dos
lados. Dependia de mim manter o controle da situação e me permitir pender
apenas para aquele lado do apoio. Fiquei um tempo assim, perneta no equilíbrio.
Até o dia que decidimos (não lembro se foi uma decisão conjunta ou não, mas
consideremos assim) retirar a segunda rodinha de apoio. Veio ele com a chave de
roda a desatarraxar meu ponto de equilíbrio, minha muleta, com uma serie de
recomendações.
Agora, eu teria de me equilibrar em apenas duas rodas na bicicletinha
aro 16, mas com o compromisso de que, nas primeiras vezes, meu irmão me
ajudaria. Isto significava andar pequenos trechos, devagar, com ele me guiando,
segurando no banco, do meu lado. E ele efetivamente fazia isso. Apesar da
diferença de 9 anos mais que eu e vivermos às turras (por eu brincar com os
carrinhos, botões e bonecos dele), ele cuidava de mim e corria junto na rua de
saibro, todo senhor de si. Ele seguia junto e, entre intervalos, largava o
banco. E claro que assim que ele dizia que o largara, eu perdia o equilíbrio e
quase caía. Na maioria das vezes, ele já tinha soltado o banco antes de avisar,
mas eu só vim a saber tempos depois. Aí ele voltava a segurar ou me mandava diminuir
a velocidade, tentar parar sem cair. Sobre a queda, pairava a ameaça de
estragar a bicicleta e a interdição das aulas. Tudo delicadamente acertado aos
gritos, no meio da rua. Em uma das vezes, ele soltou o banco e seguia correndo
junto, sem avisar. Apenas dizia, “vamo guria, presta atenção que eu vou largar”
e eu pedindo que não ainda, que me desse mais um tempinho. E ele ali, correndo
e gritando “vou largar, vou largar”. Foi quando ouvi ele gritar “vou largar, larguei!”,
mas o grito já não era no meu ouvido. Ansiosa e sem me dar conta, já havia me
afastado dele, que já não mais corria junto. Andava sozinha e não sabia direito
como parar. Assustada, perdi o equilíbrio e cai na frente da casa do velho
Peralta, que acompanhava tudo do muro e sempre tinha uma reclamação pra tudo.
“Levanta, vamo! Levanta a bicicleta e sai do meio da rua! Vamo
guria!” ouvia meu irmão gritar, se aproximando. No susto, levantei e puxava a
bicicleta para deixá-la de pé. “Te machucou, não né, então deu. Acabou de
bicicleta pra ti!”. Na queda, arranhei a mão e esfolei o joelho. Nem sentia o fio
de sangue que escorria na canela. Olhei pro lado o velho assistia a tudo
sorrindo. Meu irmão me tomou a bicicleta e seguíamos em direção à casa. Na
volta, proferia palavras de incentivo, dignas da pedagogia familiar de fazer
inveja no exército israelense: “Bocaberta! Já tava andando sozinha muito antes
de eu falar que ia largar. Burra!”
Chegamos em casa meu irmão guardou a bicicleta e eu fui
tratar dos meus ferimentos. “Anda lá no tanque, lavar com sabão isso aí!”
alguém me gritou e eu já previa o que estava por vir.
Sentada depois, no degrau da escada, eu lembrava faceira o trajeto
que andara sozinha, sem rodinhas, o frio na barriga, o ventinho que passava por
mim. Já pensava nos próximos dias. Isso até eu começar a sentir meu joelho
latejar (e queimar quando eu flexionava para andar), me fazendo lembrar da queda,
do velho Peralta risonho no muro, do discurso do meu irmão e de que foi bom
enquanto durou. E que agora eu tinha um joelho doído para curar.
1 comentários:
adorei!!! principalmente, "Tudo delicadamente acertado aos gritos, no meio da rua" do jeitinho dele e do pai me ensinando a dirigir!!!
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