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promessa



- Me escreve um poema?

- Sim, vou pensar em um tema.

- Mentiroso! Não vai fazer nada.

- Ah, até tenho um aqui: sobre uma menina que fantasia amores com pessoas desconhecidas.

- Mas tu está sem tempo...

- Mas poema a gente faz nos intervalos da vida.

- Quando a gente acorda para sonhar!

- Exatamente.
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jogo de olhar

Ele chegou atrasado e jogou o corpo bruscamente na cadeira ao meu lado.
Virou pra mim, olhou dentro do meu olho e disparou, quase automaticamente:
- Eu te chuparia se tu deixasse.
- Eu te deixaria se tu me chupasse.
Era a única coisa que poderia responder, sorrindo e olhando fixamente dentro dos olhos dele.
Baixamos os olhos.
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Palavras Perdidas

E eu que pensava que não era ciumenta, estou agora me remoendo de ciúmes por dentro. Mentira. Eu sempre soube. Apenas mantinha essa constatação sufocada sob meu orgulho. Eu sei que quem procura acha, principalmente quando sai em busca de algo que pensa existir. Quem está disposto a encontrar alguma coisa nunca acaba de mãos abanando. Se não encontra, inventa. Qualquer expressão, referência ou menção, serve de pretexto. Nenhuma palavra significa uma única coisa e, na minha cabeça, tudo pode ser decupado em zilhões de sentidos com múltiplos significados e mensagens subliminares. E daí para a leitura falha (espécie de ato-falho não dito, mas lido), é um pulo. Para isso, nada melhor que ler, reler, tresler e voltar a ler cada palavra de cada mensagem recebida. Variar a entonação, questionar cada vírgula, cada riso, cada trocadilho. Tudo em busca de uma resposta que não está ali. Um indício. Um sinal. Uma pista. Dando sucessivos F5 na esperança de que, entre as atualizações do email ou das mensagens do Facebook, eu teria mais alguma coisa. Uma prova. Algum comentário, recado ou, mais idealmente, um convite, um chamado, uma declaração expressa que consumisse quaisquer possibilidades de dúvida. Nada. Porque as tuas palavras não são para mim. E me ponho a imaginar onde, com quem, para quem são as tuas palavras agora, enquanto que eu estou aqui, revolvendo o nada. Na verdade, bem na verdade, eu estou carente de ti. De qualquer migalha que seja. E qualquer declaração boba, sem sentido, descompromissada, serve de desculpa. Porque a afetuosidade está nos meus olhos. Porque eu já estava apaixonada pela ideia de me apaixonar por ti quando comecei a brincar de gato e rato com o que eu sinto. E no fim de tudo isso, eu já estava olhando de dois em dois segundos pro celular, na esperança de que algum contato teu chegasse. Eu simplesmente seguia meu destino de esperante-desejante-imaginante. Sem esperança, sem desejo e sem imaginação que me fizesse pensar que o que eu sentia não era mais do que a ausência de alguém que não é tu nem eu. É de um nós que nunca foi. Mas que levou tanto, tirou tanto, esvaziou tanto, que nenhum sentimento parece ser capaz de suprir, atender, preencher o verdadeiro buraco de uma existência vazia e sem sentido.

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o cheiro do ralo

eles estudam os desviantes,
julgam os desviantes,
discriminam os desviantes,
mas sempre com um risinho
(misto de sarcasmo, idiotia e dissimulação)
nos lábios.
é que enquanto assim agem
também desviam,
mas sempre por uma boa causa.
o desvio dos bons,
para salvar os maus, feios e loucos justifica-se
(e não raro pela necessidade).
sente o cheiro de podre?
não, não.
não é do ralo.
é do projeto.
 
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