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Mulher fruta

Cada vez que um homem chama 
De gostosa uma mulher
Alguma coisa dentro dela morre, apodrece.
É como se da boca dele partisse a declaração
De sua condição de fruta
Objeto provocante de deleite 
E de usufruto. 


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amor secreto

E a cada vez que eu te encontrar
Que eu olhar nos teus olhos
Que eu ver o teu sorriso
Ou ouvir tua risada
Esteja certo que
Baixinho para mim mesma
Ou mesmo em pensamento
Eu te direi agradecida
Ao invés de dizer eu te amo
Para que tu não te constranja
Ou alguém saiba
Daquilo que nem nós
Entendemos
Exatamente o que foi


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sublim(e)ação


De uma hora para outra,
Um fenômeno muito curioso
começou a acontecer.
Cansada da vida
Daquele estado físico em que vivia
Vagarosamente, ela começou a
Diminuir.
Aos poucos,
Desaparecer.
Emagrecia como quem
Evapora,
Sumia cada dia um tanto.
Imperceptível.
Quase mínimo.
De tanta pressão
Virava vapor.
Sublimava pequenas partes de si
À semelhança das
Naftalinas.
Já não sentia ou
Tinha forças.
Não chorava nem sofria.
Vaporosamente pelo ar
O corpinho se ia.
Até o dia em que sumiu
Planando ao vento.
Sem barulho, sem dor,
Sem lembrança ou sentimento.
Sem clamor algum.
Tornou-se brisa e
Caiu no esquecimento.



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tem um nó na minha garganta.
um buraco no meu peito.
parece de bala.
tem um grito no meu ouvido.
um choro. um soluço.
parece de dor.
tem uma mão que suplica.
um papel. uma arma.
parece de sentença.
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a tua voz partida




Ausência (Vinícius de Morais)

Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar
senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto
existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar
uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como nódoa do passado
Eu deixarei...
tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só
como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.



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Dos sete pecados


De todos os pecados, a inveja é a única discriminada.
Ninguém tem vergonha de se assumir guloso ou preguiçoso.
Alguns ponderam e se reconhecem irados ou avaros.
Lascivo ou vaidoso então, pode até pegar bem dizer-se ser.
Agora a inveja ninguém assume.
Interessante!
É a amante.
A namorada esquisita dos bastidores da vida.

É a moralização da moral religiosa.
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27

Vinte e sete
marteladas
no meu tempo
que passa mas
não desfaz a
lembrança do
dia vinte sete
marteladas
no meu peito
que bate na
recordação
que fica mas
não desfaz o
desengano do
dia vinte sete
marteladas
que lembra
minha cabeça
e que dói
no dia
vinte e sete
marteladas
que moem
o que eu sinto
no dia
vinte e sete
marteladas
que doem

em mim.
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Foto: Brassaï

A rua estava deserta. A noite fria.
Uma neblina embranquecida
Fazia com que apenas alguns metros do caminho em frente fosse visível.
Ela voltava do bar, a pé, pelo meio da rua.
O asfalto úmido reluzia uma luz que não tinha.
Estava ela e o silêncio.
De súbito, gritou “MARCOS!” a plenos pulmões,
Com toda sua força e potência,
Prolongando a última sílaba.
E foi possível perceber algumas sombras assustadas
Fugindo do caminho.
Um cachorro, temeroso, latiu ao longe.
Seguiu andando.
Ela, o silêncio e seus passos.
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.cala.frio.

E eu que estava tão alegre e contente
Com o cair da noite me fiz triste.
Esse vento assobiando na janela me fez lembrar
Teu assobiar de um rockinho qualquer

E pude sentir tua mão fria na minha cintura outra vez
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caminhos

Na estrada novamente, hoje. Uma viagem de bus na tarde ensolarada. Nos fones, as velhas bandas de rock que eu escuto desde a adolescência. A paisagem correndo rápida lá fora, nesgas de sol entrando pela janela aberta e o vento sacudindo as cortinas. Apesar do nariz entupido, de uma gripe intempestiva, eu conseguia sentir o cheiro do novo. É com esse vento no rosto que eu me dou conta de como sou feliz em trânsito, comendo estrada, desafixada de qualquer lugar. De como me fascina a porvir dos caminhos. Que venha o novo que coabita o hoje! Gratidão aos que me aceitam e me acolhem entre minhas andanças. E, sobretudo, nas minhas paradas.


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revirar bagunça


tem gente que acha

que coração é

a casa da mãe Joana:

entra sem se fazer anunciar,

bagunça e revira

deixa tudo de pernas pro ar

e sai sem nem a porta fechar!
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outra vida

Sad Clown in Town


Saudade de tudo aquilo que não vivi

De tudo aquilo que não sou

Não fui e não vi.

Desejo de vida radiante, feliz

Leve e contente.

Vontade de estar em paz, tranquila

Em lugar bom, calmo, com gente.

Pressa por tudo aquilo que não tive

Por tudo aquilo que se foi, perdi.

Cansaço da busca, da luta, da paga

Por tudo aquilo que não pedi.
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de todas as suas penas
a que mais lamentava
era a de que ele era muito grande
para caber na sua caixa de lápis de cor
e emprestar para todos os tons
o irresistível colorido da sua presença
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Excesso de ar que sufoca.

Excesso de silêncio que ensurdece.

Excesso de vazio que pesa.

Excesso de ódio que ama.
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scrivere, ragazza, scrivere!


Escrevo por linhas retas mas errantes
Uma profusão de palavras, frases, adjuntos perdidos
Explicações soltas, argumentos vacilantes.
Ponta dos dedos frios, tensos, apressados
Que desafiam o tempo e os prazos
Na manhã fria e ensolarada de maio.
Diversos autores na minha solidão
Buscando dar sentido ao pensamento
Tão confuso quanto tudo o mais que eu sinto.
Entre a introdução que nunca termina
E a conclusão que nunca chega
Um mate.
Entre a releitura dos parágrafos
E a reflexão sobre o tema
A lembrança furtiva do teu sorriso.

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nós devíamos saber que...


eu me nego ao “viveram felizes para sempre”. simplesmente porque viver para sempre é vão e viver feliz para sempre é me negar permanentemente a minha dor, a sensação dos dias tristes, nos quais reflito sobre as pessoas, as relações e as coisas que me afetam, porque me afetam e como me afetam. eu preciso dos meus momentos sombrios, da minha sombra para fortalecer minha luz. em uma parceria, a dor ajuda a crescer forte no apoio mútuo, no abraço apertado, no olhar compassivo que seca a lágrima no rosto do outro enquanto também chora, que diz uma palavra doce ou apenas beija um beijo quieto, silente, carregado de sentidos.


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A dor


Recitei teu nome três vezes

Como uma oração.

Pedi aos anjos que te levassem sobre suas asas

Para um lugar bom.

Senti os olhos úmidos

O nó na garganta

Respirei fundo e

Engoli o choro.

O grito.

Fechei os olhos e

Senti a dor.

Funda.

Aguda.

Ampla e muda.

Que fazia meu peito pequeno e oco.

Minha existência vazia e vã.
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Ignorância

Não maioria das vezes, ignorar liberta.
Te exime de pensar e sentir e (eventualmente) sofrer.
Duro é quando se quer saber e não se sabe.
Quando se precisa saber e ignorar dói.
Angustia, aprisiona.
Quando se busca a resposta
Nos mais variados lugares e é em vão.
Não se acha.
Porque a resposta está muito bem guardada.
Protegida em um lugar especial.
Um lugar que às vezes parece inacessível.
Impossível de chegar.
Aí, como um perdigueiro perdido
Tu procura, fareja, investiga e
Repassa todas as entrelinhas do caminho
E nada. Não obtém.
Segue ignorando a resposta.
E a sensação de vazio, de perda, de falta
Não é preenchida com nada.
Nenhum diálogo, leitura,
oráculo ou oração é capaz de dar conta e
suprir essa lacuna.
Aí tu espera. Esperando o pior tu sofre.
Como uma saudade de alguém que está longe
E inacessível de encontrar naquele momento.
 
Bairro de Sta Teresa - RJ
 
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Sarar da aranha

à Palavra Guerra
 
Sara vê se logo sara,

E vem ser lindamente Sara,

Sara tua energia exala,

Porque não há aranha tão cara

No viver intensamente que tara,

Nem veneno que pára

O poético sarar de Sara.
 
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