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Dilemas

Ilustra Brandt Peters

O que fazer quando chegamos a um impasse? Eu gostando suficientemente dele para querer estar com ele em vários momentos, mas sem saber objetivamente se isso significa mudar para investir em nós? Se somos muito parecidos em várias coisas? E talvez sejam elas que imponham uma barreira entre nós? E quando suspeito que essa barreira, para ser transposta, implique modificações em cada um de nós? E, bem, se investir em nós exija modificações em nossos eus, talvez isso queira significar que nos interessamos não um pelo outro, pelas pessoas que somos, mas pelas pessoas que gostaríamos que cada um de nós fôssemos. E se talvez conseguíssemos vir a ser o que gostaríamos que fôssemos isso não garantiria, de igual forma, que nós fôssemos acabar juntos. Assim, é legítimo querer que alguém mude para fazer acontecer um amor? É legítimo mudar para fazer acontecer um amor? Haver, como pré-requisito para acontecer um amor, uma mudança, já não significa que não existe a possibilidade de um amor nessa relação? E a dor que essas mudanças implicariam? É legítimo querer a mudança, sabendo que ela representa uma dor imposta sobre aquele que queremos que mude? E se gostamos suficientemente do outro, a ponto de não suportar a ideia da dor que a mudança causaria, significa que as causas da mudança podem ser abstraídas e que devemos desistir da mudança? Ou se não quisermos impor essa dor naqueles que amamos, significa que devemos abdicar da mudança e arcar com a nossa dor pelo amor não acontecido? E se nós não estamos dispostos a mudar? Ou se, mesmo dispostos, não estamos dispostos a arcar com a dor que ela causa? Se as pessoas estão sempre mudando e sofrendo, e o amor se dá nessa relação, seria o amor apenas mais um laço derivado e produtor de dor, inevitavelmente? E, assim sendo, amar significa impor dor àquele que amamos e suportar a dor que ele nos impõe com as mudanças? E, por fim, quem amamos? A si próprio, o outro, a nós, a dor ou essa combinação?
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A espera

E eis que ao final do dia
Sentia uma espécie de melancolia
Uma pequena tristeza sem explicação.
O mar se fazia refletir em sua retina
Que o olhava através da janela.
Pensava em si, sem rumo, e
Desejava a companhia da amada.
Sabia-se distante por alguns quilômetros e
Afastado por longas ausências, por vários gestos frios.
Não sabia o que esperar daquele relacionamento
Se é que alguma vez existira.
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Para M. X.



Eu vi teu olhar perdido naquela esquina.
Eu reconheci teu desatino, tua dor.
Eu senti a minha solidão em ti.
Eu pensei duas vezes
Em te acolher nos meus braços
E te dizer que isso iria passar.
Que um dia isso tudo
Nada mais significaria.
Mas não.
Eu não fiz isso.
Porque a tua dor é a minha dor.
E quando eu a vejo em ti
Eu a reconheço no que eu já vivi.
E se hoje é passado, vazio de sentir.
Também é memória lancinante
Que reaviva em mim
Cada vez que eu vejo
Teu olhar de tristeza e desrazão.
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“Boulevard Diderot, Paris” – Henri Cartier-Bresson, 1969

porque se não vai
me colorir as manhãs,
me presentear com sorrisos,
me alegrar as tardes,
me roubar beijos e
bagunçar os meus dias,
é melhor que nem se apresente!

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Por (de)vir


“aliás, fico feliz em constatar que o ponto de demência de alguém seja a fonte de seu charme.”
Gilles Deleuze

Eu poderia ter guardado em meu velho baú
Trezentas coisas, entre sonhos, projetos, ideias e planos de viagem.
Entre nenhuma delas ele estaria ou eu o haveria previsto.
Ele apareceu quase tão instantaneamente no caminho
   quanto eu desejaria que ele habitasse meus guardados, 
   minhas memórias, meus planos.
Entre muitas falas, sorrisos sonoros.
Observações à queima-roupa.
Piadas deliciosamente sem sentido.
Entre os desejos, criações de cotidianos.
Burlas, jogos de palavras, desvio de olhares.
Só é possível desejar o inimaginável, o porvir.
Entre o mistério, o segredo, o sonho.
Enquanto todos vivem a realidade trágica.
Nós construímos a mais fascinante de todas as invenções.


 
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