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Depois de uma semana em Barcelona, na(s) boa(s) companhia(s) do casal criminológico Achutti e Raffa (nos primeiros dias), das mexicanas Ana e Ninfa e da argentina Mari (uns dias mais), do novo contato português-gente-finíssima Pedro (na finalera), e sem falar na experiência única de ver Bob Dylan a alguns palmos de distância, estou um trapo humano. Uma genuína farrapa em todos os sentidos. Por dentro e por fora.
Cheguei em Sevilla ontem e, ironicamente, sinto um aperto desgraçado no peito, justo quando deveria estar muito feliz pelo privilégio de conhecer lugares com os quais sempre sonhei, pessoas incríveis e passar momentos únicos. Enfim, sentimentos não se explicam. A viagem está chegando ao final...
Cheguei um dia depois do show do AC/DC e inicialmente queria cortar meus pulsos por não ter me interado disso. Mas, ouquei, há males que vem para bem, diria minha mãe me consolando... ia quebrar totalmente meu orçamento e talvez ficasse mais surtada do que já estou.
Mas o fato é que está muito difícil ficar, assim como está muito difícil partir. E as pessoas (tanto daqui quanto de lá) não colaboram muito comigo.
Minha mãe tem um calendário retroativo estilo contagem de pena para progressão de regime, meus irmãos começaram a dizer que sentem a minha falta (isso é o mais preocupante) e meus amigos mandam constantes mensagens perguntando data, hora e momento da minha chegada. Sem contar as ameaças de recepção no aeroporto munidos de vuvuzelas (pessoal, por favor, mantenham a civilidade hein).
Por outro lado, aqui as pessoas me tratam muito bem e tentam me convencer que eu sou “quase” uma nativa. Me explico: “enganei” duas sevilhanas que faziam “encuesta” na rua. Sempre achei triste a condição dos aplicadores de questionário e daqueles que pesquisam usando survey, motivo pelo qual sempre tento colaborar. Na metade do questionário sobre tipos de produtos consumidos e comprados no supermercado, a mulher me pergunta o bairro em que moro. Ao saber que eu sou “turista” se surpreende e me olha com um olharzinho cético. “Então, não é espanhola?” pergunta. E mais espanto ao descobrir que eu sou uma sudaca brasileira. Motivo de nova surpresa. “Mas não se percebe o sotaque! Está quase como espanhola. E eu até pensei que tu fosse galega.” Motivo de riso e surpresa para mim. Galega agora... Seguramente gentileza dela, pois eu não estou assim tão “adaptada” ao meio. Ao menos não me sinto. O questionário acabou por aí, pois dependia de moradores de Sevilla e eu voltei com meus iogurtes para o hostel...
Viver no sul (da Espanha ou do Brasil), de fato, é o meu lugar no mundo. A vontade de ficar (mais) e o desejo de voltar (logo) se digladiam dentro de mim e me destroem aos poucos a cada dia. Por ora me resta administrar minhas saudades (de ambos os cantos). E asseguro que não está sendo nada fácil...
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 Real Capilla de San António - Aranjuez
12-06-2010


"...porque não há palavras para exprimir esta coisa que nos invade e nos oprime e nos sufoca e para a qual ainda não se inventou outra palavra que não seja amor."

(As esquinas do tempo, Rosa Lobato de Faria)
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c´est la vie? parce que je suis?



Paris change! mais rien dans ma mélancolie
N'a bougé! palais neufs, échafaudages, blocs,
Vieux faubourgs, tout pour moi devient allégorie,
Et mes chers souvenirs sont plus lourds que des rocs.

Charles Baudelaire – Las fleurs du mal


(Paris muda! Mas nada na minha melancolia se moveu!
Palácios novos, tapumes, blocos, velhos bairros,
Tudo para mim virou alegoria.
E minhas lembranças são mais pesadas que rochas.)

Ainda não consigo saber que merda me passou pela cabeça que me impediu de comprar em Paris uma edição de As Flores do Mal por 2 euros! É a mesma merda que, em geral, acomete a maioria das mulheres do mundo: o peso. No meu caso por razões óbvias, o peso da mala.

Agora, eu aqui, fazendo um trabalho de antropologia urbana tenho sobressaltos e calafrios pelo corpo ao pensar que os deuses podem (e deveriam!) me punir severamente por minha docilidade ante as normas e conformismo em não transgredi-las por um bom e justificável motivo.

Qualquer argumento de redenção seria inútil, mesmo meu duplo arrependimento. Sim. Algumas horas depois, me dei conta desse surto completo de idiotia e voltei lá. Já era tarde. Baudelaire já não estava me esperando nas margens do Sena. Uma dor parisiense que levarei comigo.
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Uma viagem portuguesa com certeza!

A série de piadinhas, brincadeiras e coisas do gênero que, em geral, os brasileiros fazem com os portugueses não é algo recente e tampouco original: diversos grupos fazem suas piadas internas uns com os outros. Para mim, isso nunca foi tema central de risadas, muito menos algum dia acreditei que os portugueses fossem burros, embora deva admitir que me divirta nesse estilo “etnocêntrico” pegando no pé de amigos paulistas, cariocas e baianos com meus “surtos bairristas” de “gaúcha nata”.

Na real, todos sabemos o quão política são a maioria das construções “culturais” do que seja um português, um baiano ou um gaúcho, bem como que a piadinha do português, do judeu, do negro, do gay, da loira ou do paulista serve, entre outras coisas, para escancarar nosso preconceito velado e nossa discriminação para com os outros. Além de expor uma boa dose de violência que perpassa nosso cotidiano de pessoas civilizadas-normais-pagadoras-de-impostos-e-tementes-à-Deus.

Devemos ter em mente que o meu EU (e o seu também quiridinhu!) só é passível de construção através de um OUTRO, pelo encontro e percepção das diferenças que nós possuímos. Mas até aí, tudo bem. Diferença não é igual à discriminação, assim como identidade não pressupõe preconceito.

Em franca contradição (ou não!) a tudo isso, preciso relatar duas situações que vivenciei essa semana e que me deixaram pensando o quanto não é dessa maneira que se reiteram as piadinhas (e, por derradeiro, o preconceito). Ou seja, não se trata de buscar uma origem para tudo isso, mas ver como uma (ou duas) oportunidades de contato podem servir para formar-se um estereótipo.

Caso 1. Cidade do Porto, em Portugal. Mapa da Rede do metrô. Existem 4 linhas que seguem paralelas entre si e passam pelas mesmas 14 estações. Algo que para mim não faz nenhum sentido, sobretudo quando se está em uma cidade grande e se pode distribuir espacialmente as linhas de maneira mais democrática, de forma a contemplar não só as regiões centrais da cidade, senão as mais periféricas e afastadas. Mas não. Vai entender...




Caso 2. Agora em Lisboa, Portugal. Com outras três amigas entrei no metrô. Falávamos castellano, língua nativa de duas delas. Sentei-me ao lado de um homem que lia o jornal. Seguíamos falando e rindo. Obviamente, meu castelhano tem as marcações do portu-alegrês, minha língua nativa, o que é perceptível e detectável creio eu.
Pois o português que estava ao meu lado lendo o jornal, me chama a atenção e me pergunta, (em português), se eu sabia o que queria dizer uma palavra (em português) no jornal que ele lia. Atendi ao seu chamado (em português) e comecei a ler a frase em questão para dar-lhe minha interpretação do sentido da palavra. A palavra era “roteiro” e não me parecia tão ininteligível assim. Bom, depois de dar alguns sinônimos (em português) e ante as reiteradas afirmações do homem de que não compreendia o que queria dizer, passei a tentar em outros idiomas (castelhano e inglês).

Ele seguia afirmando não entender, até que esgotaram as minhas possibilidades de ajudá-lo. Ele me agradeceu várias vezes (em português), se despediu e desceu na estação seguinte. Segui a conversação com as gurias, que tinham a teoria de que aquilo seria uma cantada. Em momento algum me pareceu. Ou, se foi, é uma modalidade totalmente nova e/ou desconhecida para mim. Na outra estação descemos. Que idioma é necessário para entender as coisas da vida? E eu sigo sem entender nada.
Para além de tudo isso, Portugal é muito legal. Os portugueses são extremamente corteses e solícitos. E é inegável que tem muita coisa que lembra o além mar...

 
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