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Corre como Homem?!?



A forma como ocorre a naturalização de (pré)conceitos e, por conseqüência, de práticas é, no mínimo, interessante.
Algumas notícias deram conta de que a atleta sul-africana Caster Semenya, e cuja medalha de ouro por seu desempenho na prova de 800metros no atletismo fora posta em dúvida, teria de passar por testes para definir seu gênero. Ouquei, pensei: A velha história do “baixa as calças e mostra os documentos” tem ganhado sofisticação.
De imediato, lembrei da minha primeira experiência de surpresa com este tipo de coisa. O caso, contudo, era paroquial. Praticamente familiar. E não me rendeu medalha alguma. Mas serve para pensar a respeito. A ver.
Modéstia totalmente à parte, sempre dirigi muito bem (como a teoria da rotulação explica e a profecia que se auto-realiza corrobora) e atribuo este fato à minha paixão por motores (sim, o capitalismo também nos legou coisas boas e, neste momento, Henry Ford sorri no inferno...) combinada à minha precoce iniciação e reiterada prática de condução de veículos.
Mas não foi sem o espanto de quem não entende a piada que recebi, certa feita, o comentário de meu velho pai ao vizinho, depois de me assistir (de braços cruzados e sorrisinho sarcástico) sair de uma “sinuca de bico”, composta por dois carros (mal) estacionados próximos à nossa garagem. Sim, eu estava “esnucada” e na direção de um clássico Ford com direção mecânica. Um convite ao escárnio alheio...
Resolvido o impasse dos veículos, com o estacionamento bem sucedido, ouço, ao sair do carro, a máxima: “Esta guria dirige que nem homem!” Sim. O velho estava orgulhoso e queria demonstrar sua satisfação. E o fez da pior maneira, machista e preconceituosa. Claro está que, naquele momento, não tive grandes dúvidas quanto a minha posição neste mundo dual dos (pré)conceitos. Era óbvio para mim. Eu era uma mulher (e com todas as implicações que disso advém).
Hoje, porém, já não faço esta afirmação de maneira tão enfática quanto a fiz na época, pois os novos acontecimentos me deixaram em dúvida. Afinal, se o gênero masculino x feminino é definido por um exame hormonal, eu posso (e quaisquer um de nós, senão todos!) descobrirmo-nos de outro gênero! Se o critério é esse, é possível, até por que nunca fiz dito exame, que eu seja HOMEM e não saiba! (alguém aí já o fez e carrega na carteira para provar? Tipo, “ó, minha taxa de testosterona é 0,853% em cada ml de sangue, isso quer dizer que sou homem”).
Superado este momento de crise de identidade sexual que tive, o que resta é pensarmos o quanto o que fazemos diz do que fazemos. E o que somos. O debate “coisas de homem e coisas de mulher” já povoa as páginas da Revista Nova a um bom tempo, os antropólogos discutem os limites entre natureza e cultura e as feministas esbravejam e se descabelam acerca da dominação masculina.
Não obstante, as práticas discriminatórias seguem acontecendo, legitimadas por novas técnicas de saber, poder e ciência, utilizadas amplamente sem quaisquer (ou maiores) questionamentos. E permeiam diversos discursos. A atleta é mulher, negra e sul-africana. Ela correu muito. Tanto que conseguiu a medalha de ouro. Alguma coisa está errada, pensaram alguns... Outros, no entanto, agiram. Afinal, precisamos manter atualizado nosso banco de dados de categorias de coisas.
Sim, feitos os exames, constataram que Caster possui três vezes mais testosterona que uma “atleta comum” (leia-se normal). Como os médicos aFIRMAram que tais níveis podem ocorrer por fatores naturais, ela foi posta sob vigilância por determinado tempo, realizando novas medições, a fim de verificarem se as taxas se mantêm. (Quiçá algum remediozinho para “estabilizar” este turbilhão hormonal pelo qual passa a jovem de 18 anos?)
Muito distante dali (leia-se Berlim, ALEMANHA), sua cidade natal (Johannesburgo, ÁFRICA DO SUL) a recepcionara entre festejos e protestos. Alguns reclamando a discriminação por ela sofrida, racista e sexista, outros reconhecendo sua façanha, atingida graças ao seu esforço e determinação. A família, no entanto, afirma: ela é 100% mulher. Dadas as circunstâncias, irei ao médico amanhã. Eu preciso saber o que eu sou...


Pensando sobre o assunto, começo a ouvir os Titãs gritando na minha orelha: “não é que eu vou fazer igual, eu vou fazer pior” (antes de berrar mais algumas vezes: “nem sempre se pode ser Deus! Nem sempre se pode ser Deus!”)... Também tá ouvindo?
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vem sempre aqui?

Na expectativa de que quaisquer das minhas experiências cotidianas sejam lidas e utilizadas como roteiro para um filme - com a minha devida autorização, por óbvio! -, eis que surrealistas demais para serem contadas em rodas de bar, inicio aqui minhas narrativas. Ou fragmentos de.
Para aquele(a) gracioso(a) que possa vir com a célebre frase: "Até tu, Brutus!", adianto: não perca tempo ou teste meu estado de espírito. Leia o subtítulo deste.


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