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Borges


"Todas las teorías son legítimas y ninguna tiene importancia. Lo que importa es lo que se hace con ellas."

24/08/1899 - Buenos Aires, Argentina
14/07/1986 - Ginebra, Suiza.

Luís Augusto Fischer dice que Borges es lo más grande escritor gaucho que hay.

Yo estoy segura que sí.
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Eu sou normal. E eu fiquei tão feliz ao constatar isso essa semana. Eu pensei por várias vezes que eu teria algum problema, ‘por quê isso agora’ me perguntava a mina que divide apartamento comigo, e eu sempre achava, eu só posso ter problemas. Andando pela Champs Élysée é normal que tu te sinta como um europeu qualquer. Mas, bem, eu não sou. Eu encontrei uma loja Sephora e eu sou uma mulher, vocês sabem. E não há convicção ideológica, partido político ou opção profissional que negue isso: maquiagens exercem um poder de atração violento nas mulheres. Algo tão grande, senão maior, que a força que exerce o futebol sobre os homens. É irresistível e impensável. Por mais humilde e simples que seja uma mulher, não há quem fique inerte a um aceno com um batonzinho, um esmaltezinho ou um creminho qualquer. É simples. Quando vê, eu já tô dentro da loja, babando diante dos estandes. Pois foi isso que aconteceu. Eu entrei na loja e me senti uma criança dentro de uma loja de brinquedos. Milhares de potinhos e embalagens negras, contendo uma infinidade de pozinhos mágicos e líquidos coloridos que prometem simplesmente o milagre da beleza instantânea. Sem dor nem traumas. Eu olhava tudo aquilo e pensava, Deus porque a gente não tem o privilégio de ter acesso a tudo isso e precisa vir até aqui para saber que muitas mulheres no mundo são felizes possuindo esses potinhos por esses preços tão baratos enquanto eu tenho que passar qualquer sebo na cara pagando um absurdo porque eu sou uma suburbana periférica terceiro-mundista que tive (também) esse direito negado. Nesse rompante, misto de inveja, introjeção do modelo dominante, senso de desigualdade ou nada disso reunido com o simples desejo de ser normal, meu surto de justiça social chegou ao ápice quando me passou pela cabeça a ideia de colocar alguns daqueles potinhos dentro dos enormes bolsos abertos do meu casaco, já que as vendedoras eram tão displicentes e tão pouco atentas ao que faziam as mãos nervosas das clientes e visitantes da loja. O que diriam os especialistas a respeito de tal atitude? Seria anormal? Claro que esse tipo de atitude poderia ser facilmente justificada com os velhos estereótipos: oriunda de um país corrupto e violento, claro está que de lá não poderia sair outra coisa senão uma delinqüente. Mestiça, pobre e crescida em ambiente violento. Imaginem então aquelas que estão ilegais na Europa (tecnicamente, mas isso é outro papo), que dizem que vão estudar e tal. E como mulher ainda! Mais suscetível aos impulsos criminosos diante das coisas mais supérfluas como... maquiagens. Um rímel (10 euros), um pó compacto (12 euros), um conjunto de sombras (15 euros), um lápis de olho retrátil (9 euros), um gloss (15 euros) e alguns coraçõeszinhos de óleo de banho (0,50 cada) e ela tem nos bolsos 65 euros furtados! Pois, sem dó nem piedade, em milésimos de segundos, tudo isso passa pela cabeça, pelas mãos e pelos bolsos. É, acontece que meu pai não foi promotor, nem prefeito, tampouco exemplo de tolerância zero e coisa e tal. Maaassssss, obviamente, eu me solidarizo com a situação dessas pobres meninas que, pegas em flagrante de porte da res furtiva multicolorida e brilhante, não têm a denúncia levada a cabo por uma solução restaurativa improvisada de justiça instantânea que extingue a punibilidade (e, antes disso, a denúncia), mediante o pagamento das coisitas que foram esconder-se marotamente nos jovens bolsos insensatos e dar asas à imaginação dos incautos que afirmam que todo o ser humano é criminoso, resolvendo tal equívoco. Se a criminologia é parte da vida estou decidida a desenvolver minhas teorias no ramo da criminologia fashionista para demonstrar que o glamour é (também) elemento desencadeador de condutas criminosas, gatilho que torna as pessoas vulneráveis ao belo, mesmo que não seja verdadeiro e justo. E justiça (restaurativa!) seja feita com a minha pele, que fica muito melhor sob produtos Sephora. Devo, não nego, pago quando (e se) puder. Viva o gloss e as micropartículas de ouro do pó iluminador!
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sexo, drogas roquenrrol, cultura e criminologia


Organização: ICA e GCrim/UFRGS
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[Saudades de um futuro irrepetível]

I

Fábio seguia andando pela rua, num dia fresco e sob o sol ameno. Matando a saudade de Porto Alegre. Sempre que retornava era tomado pelo sentimento de estar em casa, algo que se apoderava dele. Uma nostalgia ao andar pelas ruas que faziam parte de sua infância e adolescência, mesclada com a sensação de estar achado, em paz consigo mesmo.
Desde que se mudara para Curitiba passou a se apegar aos mínimos detalhes que lhe faziam recordar da cidade. Já fazia quase 7 anos que estava afastado e as visitas aos amigos e parentes tornavam-se cada ano mais frequentes. Do exílio total, com a mudança de domicílio, à idéia fixa de fazer as pazes com seu Portinho e voltar para casa, para o bairro em que sempre viveu.
Vinha pela calçada, ouvindo a sinfonia do tráfego e a cadência dos passos dos transeuntes, pensando nas possibilidades de adiar o retorno. O contorno das árvores, contrastando com a luz no horizonte, a silhueta dos prédios e o colorido das bancas do brique distraíam seus pensamentos, quando a sensação de ter reconhecido um rosto o deteve.
Fixou o olhar por entre as bancas para, diante delas, avistar Cláudia. O ar, até então fresco, tornou-se denso e abafado. Não acreditava que, ali, tão próximo e, depois de tanto tempo, a tinha novamente diante dos olhos. Certo de que não poderia ser visto por ela de onde estava, ficou assim, admirando-a. Continuava linda e, talvez, estes 7 anos a fizeram mais bela do que antes. Os cabelos desgrenhados, a pele clara e os olhos ridentes permaneciam os mesmos. A cintura talvez mais fina ou o quadril um pouco mais largo. Os seios pequenos. De qualquer forma, continuava linda. Esboçando o mesmo sorriso de menina quando ganha um presente, encantava-se com os sinos-de-vento que balançavam no ar, como se acabasse de presenciar algum evento mágico.
Atravessou por trás das bancas e parou diante dela. Deteve-se observando-a distraída. A surpresa com que ela reagiu quando o percebeu não poderia ser outra, senão a de alguém que reencontra um conhecido que há muito já não vê. Alguém que acreditava que, talvez, nunca mais visse. Primeiro, o silêncio do choque, seguido de um cumprimento surpreso. Um sorriso cortês, com palavras medidas e tensas. Dois beijos no rosto em um ato quase automático. A menina, cujos olhos perdiam-se nas cores do dia de alguns minutos atrás, agora fez-se recatada, formal, gentil e... distante.
- Fábio?
- Oi Cláudia.
- Oi. Tudo bem?
- Tranquilo. E contigo?
- Tudo bem...
- E aí, dando uma volta pelo brique?
- Sim, fazendo uma caminhada. E tu, passeando?
- É... tô curtindo um pouco o dia, a cidade.
- Legal... Legal te ver....
O diálogo, de palavras cuidadosamente escolhidas, foi interrompido por um menino que correu na direção de Cláudia e agarrou-se à sua mão. Tomada de sobressalto ela lhe dirigiu o olhar.
Fábio permanecia imóvel. Ao avistar aquela criança de olhos verdes amendoados e lábios grossos rosados teve a sensação de que olhava-se em uma fotografia, um vídeo de infância. A visão daquela miniatura de ser humano cujos traços eram idênticos aos seus fez com suas pernas afrouxassem e seu coração disparasse. Era como se o passado lhe presenteasse com uma recordação. Não conseguia articular sequer uma palavra mais. Apenas olhava aquela criatura, agarrada aos dedos longos e finos de Cláudia, dizendo:
- Mamãe, o papai disse que vai colocar estrelas no teto do meu quarto!
Enquanto afagava ternamente os cabelos do menino, sorriu (ainda tensa) e respondeu:
- É, filho? Que legal! Avise o papai que a mamãe já está indo, tá bom?
Cláudia levantou o olhar trazendo nele a mesma doçura de quando pegava seus gatos no colo e chamava-os de filhos. Fábio permanecia consternado com a informação repentina de que ela era mãe. Pensava, “justo ela que dizia não querer ter filhos”.
Talvez ainda atordoado pela semelhança física do garoto com seus próprios traços quando tinha a idade dele. Mas imaginava que, assim como ele e o pai dela, o marido fosse loiro de olhos claros. Afinal, não foram raras as vezes em que ele passara por filho do sogro ou ela nora do próprio pai.
- Lindo filho, Cláudia. Para quem não pretendia ter filhos, me surpreendeu esta cena, - disse, meio sem saber o que estava dizendo.
- É... o Raul foi um presente irrecusável.... E as coisas mudam. As pessoas também. Como dizem, realmente a gravidez mexe um pouco com a cabeça da gente.
Fábio continuava zonzo, sem saber o que fazer.
Tentando assustar a mãe, o menino veio pé por pé, se aproximou deles e abraçou-lhe uma das pernas. Ela agarrou-o com ambas as mãos e o puxou para si.
- Esse é o Raulzito, amor da mamãe! E tu, que queria tanto ter filhos, quantos tem?
- Ainda não tive. Sabe que eu não nasci para esta coisa toda de casar e ter filhos...
- É... sei sim...
Fábio continuava com o olhar fixo no garoto. Meio sem jeito, mãos no bolso, perguntou:
- E aí, cara, beleza?
O menino sorriu envergonhado e escondeu o rosto entre as pernas da mãe. Cláudia sorriu e instigou-o para conversar, segundo ela, “com o amigo da mamãe”.
- Que idade ele tem? Perguntou.
- 6 anos.... e parece que foi ontem que eu estava grávida, complementou, pensativa olhando para as pedrinhas da calçada.
- Que bom te reencontrar, Cláudia, disse, em tom melancólico. Ver que tu tá bem, casada, mãe de família...
Ela olhou fixamente para os olhos dele e ficaram assim, por eternos 2 segundos.
- Bom, vou indo nessa. A gente se vê por aí.
- A gente se vê, ela respondeu quase que por repetição.
Despediram-se e saíram andando. Cada um para seu lado. Oposto. Ao dobrar a esquina, Fábio parou. Voltou para olhá-la mais uma vez. Precisava vê-la de novo. Tinha que ter certeza de que aquele encontro realmente tinha acontecido.
A alguns metros dele, Cláudia percorria a calçada de mãos dadas com o menino. No outro lado da rua, uma caminhonete amarela, exatamente igual àquelas que ela admirava e planejava ter quando eles casassem, os aguardava. Ela colocou o garoto, embarcou e desapareceram na avenida movimentada.
Naquele instante, Fábio sentiu-se um tolo e arrependeu-se mais uma vez por tê-la traído com um corpo qualquer, numa noite suja, botando tudo a perder. Jamais encontrara, durante todo este tempo, alguém a quem amasse tanto. Mas agora era tarde.
Naquele momento teve certeza: fizera as pazes com a cidade, mas nunca poderia voltar a viver nela.

II

Seguiu para casa, olhando para o piso da calçada como se ali tivesse as respostas para as suas perguntas. Ou qualquer frase de consolo, para fazer sentir-se menos patético. Por causa de uma noite sem graça, um whisky barato, 550km de distância e uma discussão boba por telefone, perdera a namorada, a amiga, enfim, a única pessoa com quem, realmente, pegou-se fazendo planos de casar, ter filhos, gatos, caminhonete e casa com sacada de frente para o Guaíba.
Agora imaginava Cláudia com o marido e o filho, feliz em sua caminhonete amarela, indo para sua casa na zona sul, exatamente como desejavam na época que namoravam. Lá, certamente seus gatos os aguardam deitados na cama do casal, onde todas as noites, ela dorme com ele, colocando a perna sobre sua cintura e o nariz encaixado atrás da orelha dele, exatamente como fazia quando dormiam juntos.
Imaginava o churrasco de domingo, seguido pelo ritual de deixá-la em casa lendo as poesias de Neruda, enquanto filho e pai aprontavam-se para mais um gre-nal no Olímpico lotado.
Esqueceu de imaginar, no entanto, que aquele menino de olhar doce e jeito tímido era seu filho e que Cláudia nunca deu-lhe esta notícia. Que quando brigaram, ela já estava grávida e não sabia. E quando ele foi embora, ela não quis contar-lhe para não parecer que lhe fazia chantagem ou para impingir-lhe alguma espécie de obrigação, remorso ou compaixão.
Não imaginava, igualmente, que o marido era um antigo colega de escola, desde aquela época apaixonado pelo sorriso luminoso e eterno jeito de menina daquela mulher franzina. Que a pediu em casamento quando ela estava grávida, ferida e assustada, como um animal acuado. Ele sempre soubera a verdade sobre o filho e, no entanto, nunca revelara o segredo. Ela decidiu, sozinha, ter o filho, por ser do único homem a quem amara. Mas nunca revelar-lhe-ia tal segredo, como vingança pela dor da separação que lhe causara.
 
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