Eu sou normal. E eu fiquei tão feliz ao constatar isso essa semana. Eu pensei por várias vezes que eu teria algum problema, ‘por quê isso agora’ me perguntava a mina que divide apartamento comigo, e eu sempre achava, eu só posso ter problemas. Andando pela Champs Élysée é normal que tu te sinta como um europeu qualquer. Mas, bem, eu não sou. Eu encontrei uma loja Sephora e eu sou uma mulher, vocês sabem. E não há convicção ideológica, partido político ou opção profissional que negue isso: maquiagens exercem um poder de atração violento nas mulheres. Algo tão grande, senão maior, que a força que exerce o futebol sobre os homens. É irresistível e impensável. Por mais humilde e simples que seja uma mulher, não há quem fique inerte a um aceno com um batonzinho, um esmaltezinho ou um creminho qualquer. É simples. Quando vê, eu já tô dentro da loja, babando diante dos estandes. Pois foi isso que aconteceu. Eu entrei na loja e me senti uma criança dentro de uma loja de brinquedos. Milhares de potinhos e embalagens negras, contendo uma infinidade de pozinhos mágicos e líquidos coloridos que prometem simplesmente o milagre da beleza instantânea. Sem dor nem traumas. Eu olhava tudo aquilo e pensava, Deus porque a gente não tem o privilégio de ter acesso a tudo isso e precisa vir até aqui para saber que muitas mulheres no mundo são felizes possuindo esses potinhos por esses preços tão baratos enquanto eu tenho que passar qualquer sebo na cara pagando um absurdo porque eu sou uma suburbana periférica terceiro-mundista que tive (também) esse direito negado. Nesse rompante, misto de inveja, introjeção do modelo dominante, senso de desigualdade ou nada disso reunido com o simples desejo de ser normal, meu surto de justiça social chegou ao ápice quando me passou pela cabeça a ideia de colocar alguns daqueles potinhos dentro dos enormes bolsos abertos do meu casaco, já que as vendedoras eram tão displicentes e tão pouco atentas ao que faziam as mãos nervosas das clientes e visitantes da loja. O que diriam os especialistas a respeito de tal atitude? Seria anormal? Claro que esse tipo de atitude poderia ser facilmente justificada com os velhos estereótipos: oriunda de um país corrupto e violento, claro está que de lá não poderia sair outra coisa senão uma delinqüente. Mestiça, pobre e crescida em ambiente violento. Imaginem então aquelas que estão ilegais na Europa (tecnicamente, mas isso é outro papo), que dizem que vão estudar e tal. E como mulher ainda! Mais suscetível aos impulsos criminosos diante das coisas mais supérfluas como... maquiagens. Um rímel (10 euros), um pó compacto (12 euros), um conjunto de sombras (15 euros), um lápis de olho retrátil (9 euros), um gloss (15 euros) e alguns coraçõeszinhos de óleo de banho (0,50 cada) e ela tem nos bolsos 65 euros furtados! Pois, sem dó nem piedade, em milésimos de segundos, tudo isso passa pela cabeça, pelas mãos e pelos bolsos. É, acontece que meu pai não foi promotor, nem prefeito, tampouco exemplo de tolerância zero e coisa e tal. Maaassssss, obviamente, eu me solidarizo com a situação dessas pobres meninas que, pegas em flagrante de porte da res furtiva multicolorida e brilhante, não têm a denúncia levada a cabo por uma solução restaurativa improvisada de justiça instantânea que extingue a punibilidade (e, antes disso, a denúncia), mediante o pagamento das coisitas que foram esconder-se marotamente nos jovens bolsos insensatos e dar asas à imaginação dos incautos que afirmam que todo o ser humano é criminoso, resolvendo tal equívoco. Se a criminologia é parte da vida estou decidida a desenvolver minhas teorias no ramo da criminologia fashionista para demonstrar que o glamour é (também) elemento desencadeador de condutas criminosas, gatilho que torna as pessoas vulneráveis ao belo, mesmo que não seja verdadeiro e justo. E justiça (restaurativa!) seja feita com a minha pele, que fica muito melhor sob produtos Sephora. Devo, não nego, pago quando (e se) puder. Viva o gloss e as micropartículas de ouro do pó iluminador!

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