judicância headbanger

Sexta-feira, no foro central de Gotham. No cartório de uma Vara qualquer, uma advogada e dois assistentes estudantes de direito, todos brancos e vestidos como pessoas comuns, chegam para “juntar subs” e “retirar em carga” três processos, para fazer cópias reprográficas. A funcionária pública que os atende esboça um simpático sorrisinho, e afirma:
“Ah, mas vocês não vão poder nem olhar esses processos, pois eu só posso entregá-los para um advogado”.
A advogada viu-se, então, na necessidade de exercer o discurso de autoridade do seu pseudo doutoramento, devolvendo com o mesmo sorriso simpático a afirmação:
“Ah mas então a gente vai poder olhar os processos sim, porque eu sou advogada”.
Um tanto constrangida, a simpática funcionária disparou aproximadamente 48 vezes o verbete “doutora”, entre risadas desconfortáveis e tentativas de escusar sua negativa de entrega dos autos. Com elogiosos comentários à juventude da “doutora” e a precocidade de sua formação, ela solicitou a carteira da ordem, a fim de “verificar o número de inscrição”, quando na verdade comparava atentamente a foto da carteira com o rosto da “doutora” no balcão. A partir daí todas as frases foram iniciadas ou seguidas com o título “doutora”, anulando-se, pois, a importância do seu prenome. Após a conferência da procuração e preenchimento da guia, a carga dos autos foi feita.
* * *

Mesmo dia, num (distante) foro regional de Gotham. Agora, a advogada está desacompanhada dos dois assistentes e tem como único intento distribuir uma ação. Como há muito tempo não ia naquele foro, achou por bem dirigir-se até o balcão de informações para saber com o funcionário onde ficava a “distribuição”.
- Oi, tudo bem? Tenho que distribuir uma ação. Pode me dizer onde tenho que ir?
- Huum... Tu quer distribuir uma ação?
- Isso.
- É civil ou criminal?
- Cível.
- Ah tá. [Entregando um papel] Daí tu tem que ligar para esse número aqui, nesses horários e pedir para falar com um defensor público.
- Mas eu não preciso de um advogado. Eu sou advogada.
- [Pausa] Ahnn... Tu quer entrar com um processo teu então?
- Aham. - Ah, então é ali naquela porta.
- Ok, obrigada.
* * *

Essas duas situações descrevem as reações provocadas pela minha proposta de exercício de uma “judicância headbanger”, que consiste basicamente em vestir-se como uma pessoa comum, ou seja, fora do padrão de “figurino estereotipado” do que seja uma “doutora”, e tratar as pessoas de maneira respeitosa sem as distinções e afetações jurídicas típicas. Uma maneira de estabelecer uma forma de estranhamento e desconforto (quiçá alguma ruptura mínima) nessa cultura de bacharelismo e de distinção pessoal visual que povoa o mundo jurídico e me parece ridícula e desnecessária.
E vejam que nesse dia eu nem estava usando meu velho all star... :P

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