The next day...



Olho ao meu redor e vejo uma bagunça do caralho nas minhas coisas. Tá, eu nunca fui organizada. Pelo menos não daquele tipo de organização quase compulsiva de alguns, onde cada-coisa-tem-seu-lugar-e-está-sempre-lá.
Geralmente tudo é separado em pilhas, por setores com temática diversa. Para um observador desavisado (ou para uma mãe constantemente vigilante) parece que aquela organização é uma bagunça, mas não. As coisas estão lá, eu sei. E tudo que está ali pode ser encontrado quando necessário.
Quando eu era mais nova e passava pelas intermináveis crises existenciais de 35 minutos da adolescência, uma forma de eu me organizar mentalmente era organizando meus armários. Tirava tudo de dentro, reordenava as coisas que realmente deviam estar lá e me desfazia de tudo aquilo que não mais parecia ter sentido de estar ali. Diversas vezes por mês. Filosofia de boteco ou não nunca soube de onde tirei isso. Apenas fazia. E achava que funcionava. No entanto, o caos quase me venceu e se instaurou, ultimamente. E agora estou tendo dificuldades de (re)implementar esta política privada na minha vida.
Parece que passou um tornado pelo meu quarto, escritório, armários, roupeiro, vida. Se de uns tempos pra cá não consigo achar sequer a mim, quiçá qualquer objeto que não seja grande, brilhante e emita sons em diferentes frequências, num raio de 3 metros por onde ando, na casa. Talvez seja o efeito da ausência de mim durante 2 anos ou consequência da constante presença dos meus eus nestes espaços ao longo desse período. O fato é que o lance tá complicado por aqui. Ouquei, este é o típico momento do ano em que todas as pessoas e todos os lares se encontram na mesma situação: momento de constatar que a gente entulha a vida com uma infinidade de tralhas e que, geralmente, o espírito natalino nos impele a doá-las aos (supostos) necessitados (de tralhas?) que, para a grande maioria da população, só adquirem alguma visibilidade neste período. Afinal, são nossos biodigestores! Os destinatários do nosso lixo anual. Essa limpeza, porém, transcende os aspectos materiais.
Há o desejo de organização das coisas, mas também de renovação de atitudes e estabelecimento de metas que “nos impomos” para cumprir ao longo do ano e que são de uma crueldade absurda. Sobretudo para aqueles que estão ao nosso redor, se não contarmos o grau de violência que isso representa para nós mesmos. Aquela pós horrenda em direito tributário que deve ser feita para dar um up no lattes e fazer um filme no escritório. Aquele regime maldito que pula de segunda em segunda e não inicia nunca. Aquele relacionamento capenga que a gente estipula um “ou vai ou racha” há meses e, no fim das contas (e do ano), tá todo mundo na beira da praia pulando ondinha no Reveillon, para tentar resolver tudo isso no prazo máximo de 365 dias e poder estipular as novas metas e assim.... bueno, sempre penso sobre isso. Nossos impulsos autodestrutivos produzindo algumas (várias) frustrações e paranóias. Até aí, nada de novo. Sempre acabo fazendo planos também. Na maioria das vezes não cumpro quase nada. Acabo realizando os projetos que surgem no decorrer do ano e, via de regra, sequer foram pensados no esquema novo-ano-será-assim. Sou o pior plano de metas que já conceberam...
Mas talvez o motivo maior da minha angústia desta vez seja ter de arrumar os armários e fazer planos a partir de uma rotina abstratamente construída, com base em projeções do que eu imagino encontrar e não sobre a minha vidinha pacata e tranqüila, onde pouco (senão quase nada) acontece de tão perturbador do status quo. Reduzir o roupeiro e o armário aos pertences pessoais básicos e carregáveis em uma mala que me acompanhará por um período (in)determinado e no qual eu não dimensiono exatamente tudo o que verei pela frente, talvez seja o menos problemático. O total desconhecimento do “por vir” é instigante, sem sombra de dúvida. Perco boas horas do dia pensando em múltiplas possibilidades (re)combináveis, o que dá uma certa aplicação prática às aulas de estatísticas que (dizem que) fiz. Mas não posso negar que também é inevitavelmente perturbador. Principalmente para quem não sabe lidar com o tempo como eu.
Antes de começar as minhas incansáveis listas eu já tenho certeza de que deixarei alguma coisa para a última hora ou esquecerei de algo. É sempre assim. Que farei coisas absolutamente inúteis no lugar daquilo que não podia ter ficado de fora e que não terei tempo de estar com todas as pessoas que gostaria. A minha desorganização é uma forma de brigar com o tempo. Inclusive, adiar ações é negar o tempo. E o meu desdém pelo tempo uma forma de evitar separações. Eu nunca consegui me desfazer das coisas sem me destruir um pouco. Eu nunca consegui deixar pessoas por piores que elas fossem (ou tivessem sido comigo). Sempre fui péssima com despedidas.

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