Madrid, 27 de janeiro. Ventinho estilo minuano do capeta.

Enfim, conseguimos um ape com janelas. Incrivelmente, há uma em cada cômodo. Um verdadeiro avanço, considerando todos os outros lugares que vimos até então nessa faixa de preço. Bairro Chamberí. A meio caminho do borbulhante centro de Madrid e em direção à viagem que significa chegar à UAM. Bairro residencial, com vários mercadinhos dos chinos, cafés e pequenas lojinhas. Avenidas largas e tráfego rápido. Bem diferente das ruas estreitas, quase becos, com carros lentos e grande fluxo de pessoas das ruas do centro, como a que está o Hostel. Nosso prédio fica em frente ao Instituto Geográfico Nacional e bem próximo à sede da guarda civil municipal. Por essa razão há, em cada esquina de nosso quarteirão, durante 24h, um guarda civil de plantão. Faça o frio que faça. Nos arredores têm, ainda, alguns outros prédios públicos, uma universidade, ou seja, parece um lugar legal. Viemos, literalmente, de mala e cuia na segunda-feira.

O senhorio, um senhor muito gente-fina apreciador das paisagens do Brasil (brasileiros? Ahh, conheci o Rio de Janeiro e o Amazonas! Me encantó!), facilitou a vida para alugarmos, ajustando os prazos para pagamento e arrumando pequenos detalhes que nos pareciam faltar. O porteiro é uma figura sorridente, sempre presente e solícito, que já me poupou de esperar na rua por ter saído sem levar as chaves de casa. No entanto, ainda não me acostumei com algumas coisas por aqui...

Na verdade, existem momentos em que eu fico totalmente no vácuo, tentando compreender o ponto de vista de alguns madrilenhos. Dois momentos que vivi podem explicar melhor o que eu quero dizer. Um ocorreu na segunda, dia 25, na ocasião da mudança. O outro, hoje pela manhã, na cafeteria ao lado do edifício onde vou tomar um café (ou uma coca) e ver meus emails enquanto nossa internet não está instalada.

Primeiro ato. Chamamos um táxi para trazer nossas coisas do Hostel até o ape. Quando chegou, Xu e eu não onseguimos esconder nossos sorrisinhos de satisfação ao constatar que se tratava de uma Mercedes. Oh lord, I want to buy me a Mercedes Bens...

Afora o fato de estar deveras contente por, enfim, ter um teto para morar e poder tirar (finalmente) todas as minhas tralhas de dentro da mala, desfrutava de alguns minutos de uma série 300 com motorista, intercalando silêncios orgásmicos contemplativos, com sinceras súplicas para que Xu fosse viver comigo em Chamberí. Bueno, enquanto isso, o taxista cumpria a sua função totalmente calado. Até aí tudo “normal”.
Na chegada ao destino, no entanto, se dá o surrealismo do nosso contato com o taxista, homem loiro, alto e civilizado do velho mundo. Ele retirava as malas todo o tempo calado. E a minha ficou por último. Após colocá-la na rua, me diz, sem qualquer cerimônia: “¡Mira, hombre! O que traes en esa maleta? Parece que hay um cuerpo aquí!”. Pausa dramática. Não tive reação ante o inesperado. Olhei para Augusto e tentei explicar para o mala do taxista que íamos morar em Madrid, por isso tantas coisas na mala (isso para não comunicá-lo que eu estava bem, pois usei apenas metade do peso permitido pela companhia aérea, que era DUAS malas de 32kg cada). Inconformado, ele argumentou que em mais um ou dois meses (de frio) estaríamos todos sem roupas! Ouquei. Até lá, que eu morra de frio. Apego, sentimentalismos ou necessidade de outros objetos ou coisas que não roupas então, nem pensar...

Segundo ato. Frio e vento de cortar a cara. Exagerando, uns 4 graus no máximo. Levantei às 11 horas e fui até a cafeteria. Esse horário espanhol é o que mais me alegra. Sempre tentei implementá-lo na minha vida tupiniquim, mas nunca tive muito sucesso. Desayuno às 11h, almuerzo às 14h, cena às 22h. Pausa para a Siesta das 14h às 17h. Em torno das 22h, mesmo com o frio lascando, tudo funciona e é possível passear pelas ruas e ver várias famílias, não raro levando as crianças para brincar em playgrounds ao ar livre e/ou cães para cagar (aliás, as calçadas são verdadeiros campos minados. É merda de cachorro por todo o lado, sobretudo no centro). Também há a possibilidade de sair e ficar simplesmente andando, o que faço com freqüência, enquanto Xu me acompanha e caça máquinas de café.

Então, saí de casa nesse horário de desjejum e fui até o café, tomar uma coca (que me foi servida com umas tapas) e dar uma olhada nos emails, mandar um salve para os amigos no MSN, enfim, saber o que se passa do outro lado do oceano é sempre bom...

Voltei do balcão, onde meu pedido fora entregue e me sentei numa mesinha de canto, ao lado de uma pilastra e de frente para a janela da rua. Abri a mochila, peguei o note. O mesmo esquema. Enquanto degustava a minha coca do dia e inicializava, percebi a aproximação de um senhor, seguida da máxima “¡Mira, hombre!” Affff....

Ainda não sei exatamente o que significou tudo aquilo, até porque estava ainda meio insone (acorda-se tarde, mas dorme-se tarde também...), mas, surpreendentemente, creio que ele me mijou por estar “trabalhando”. Disse que ali e/ou naquela hora não era momento de trabalhar, mas de comer e beber (.......) Pausa dramática e novamente eu não sabia o que dizer. Quem conhece o meu mau humor e a minha indisposição para um diálogo matutino sabe que a minha vontade era de mandá-lo para qualquer lugar bem distante dali. Talvez conhecer Faxinal do Soturno. Mas não me ocorreu algo a dizer enquanto ele virava as costas. Tudo rápido demais para quem recém despertara.
Foi ali, me disse aquilo e me deu as costas. Por um momento até pensei que pudesse ser alguma norma do café que proibisse o uso do computador durante o desayuno, mas olhando em volta percebi que outras pessoas faziam o mesmo.

A verdade é que, nas duas situações, não sei afirmar se levei uma genuína puteada espanhola, se foi apenas uma forma de estabelecer contato, dando a sua opinião sobre a vida, tentando ser gentis e exercendo seu estranhamento frente ao contato com o outro ou se são, simplesmente, meros comentários sobre os hábitos alheios. Percebo neles um mau humor reclamão que é engraçado para quem observa (algo que me é muito familiar, aliás), mas um pouco paralisador para quem participa do diálogo...

De qualquer forma, tenho medo quando ouço essa expressão “¡Mira, Hombre!” que, diga-se de passagem, é usada independentemente do gênero do interlocutor. Sempre penso, “aí vem”...

3 comentários:

Anónimo dijo...

Obrigada pela parte que me toca no que tange à mala...
Bom, mas acho que essa ponderação do taxista deve ser algum jargão deles, pois já me falaram o mesmo...ou, mais uma vez, me reporto ao meu "talento" de arrumar malas!
Quanto ao modo espanhol de estabelecer contato, é isso aí mesmo... fala alta, em tom grosseiro, com um repertório sem fim de gírias e "palavrotas"... mas como em todo lugar do mundo, existem os bons e ruins... o que posso falar da Espanha, é que bons superaram os ruins...

Anónimo dijo...

Ola, Guapa, benvinda a espanha ao Pais Latino americano na Europa. Esta é uma expressão natural de se manifestar. Vais viver muitas situações que te assustará, pois é um povo de paviu curto, tom de voz mais alto do que dos italianos,são muy Flamencos, mas com o tempo verás que são amaveis e muito latinos. Beijo grande e sucesso nos estudos. kalu

G.D. dijo...

"(...) mas, surpreendentemente, creio que ele me mijou por estar “trabalhando”. Disse que ali e/ou naquela hora não era momento de trabalhar, mas de comer e beber (...)"

MELHOR LUGAR. Estou indo amanha. Como se chama mesmo? XAMPURI?

 
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