(sobre)transgressão...

Uma vaca da exposição CowParade, chamada de Cowó(p)tica, desapareceu em Porto Alegre. De propriedade do artista Lucas Dalla Costa, Cowó(p)tica teria sido levada entre as 2h e 4h da madrugada desta sexta de onde estava, na Rua Coronel Genuíno esquina com a Rua José do Patrocínio. Conforme a assessoria do evento, o sumiço da vaca, feita em fibra de vidro e em tamanho natural, pode ter contado com a ajuda de mais de uma pessoa. E, até o momento, são desconhecidos os motivos e quem poderia ter tomado tal atitude, tida como inédita no mundo, nestas circunstâncias.
Alguns poderão imaginar que, sendo esse apenas mais um reflexo de uma sociedade desestruturada, cuja corrosão dos valores sociais, morais, religiosos e éticos lhe impele aos caos e à barbárie, certamente, a vaca foi destruída por vândalos sádicos, vendida por uma ninharia para camelôs inescrupulosos ou trocada por pedras de crack.
Outros poderão criar uma relação desse ato com uma noção histórica do “ser gaúcho”, o homem desconhecido e (também por isso) temido, que vagava pelos pagos, supostamente furtando gado e tocando terror nos estancieiros e nos peões detentores de “papeleta de conchavo”. E isso seria, tão só, uma manifestação identitária das tradições regionais. Nada mais.
Há quem avente a possibilidade de esse ato ter um significado localmente identificável e compreensível, desde a teia de relações presentes nas interações citadinas. Assim, se a proposta inicial da instalação era gerar uma interação social com a arte que ela representa, essa conduta pode ser entendida como uma apropriação ressignificada desses sentidos pelos atores sociais locais.
Uns indivíduos acreditarão que se trata de um ato de protesto vegan contra o sistema de produção e consumo de carne, se utilizando da violência da subtração da vaca como uma alegoria à subtração violenta das vidas dos animais criados para alimentar o mercado faminto por carne.
Para alguém, pode ser um cara que, rindo aos borbotões e escutando “Cowboys from Hell” no MP4, a utilizou em um ritual satânico, de acordo com o que a voz na sua cabeça mandava.
Não falta quem seja capaz de apostar que essa é uma estratégia de marketing que, utilizando-se da mídia para noticiar o suposto desaparecimento de uma das vacas, acaba por gerar maior publicidade ao evento.
No entanto, apenas um grupo de pessoas dotadas de reputação ilibada e notório saber tem, de fato, certeza do que aconteceu. "Trata-se evidentemente de um crime", afirmam. Afinal, tem-se uma conduta típica, antijurídica e culpável perfeitamente identificável! Mas essa assertiva por si só não é suficiente para pacificar a questão entre os operadores desse código. Sobretudo quando o caso é dotado de certo ineditismo...
Entre eles, há quem afirme que trata-se de um furto “abigeato”, pois o objeto jurídico é uma vaca que, ainda que não seja semovente, é um animal dotado de cabeça, tronco e membros. Além disso, a conduta delituosa é qualificada pela subtração noturna da coisa, de maneira premeditada e com comunhão de vontades e conjunção de esforços.
Outros defendem tratar-se de crime de dano na instalação que, retirada a coisa móvel do local onde se encontrava, foi inutilizada e/ou deteriorada na sua razão de ser. "Causado o prejuízo na proposta original da instalação, inasfastável, pois, a qualificadora", sabiamente complementam.
Entre outros integrantes do grupo há, ainda, a discussão que garante que o crime em questão é apropriação de coisa achada pois, resta claro que lugar de vaca não é na esquina e ninguém a abandonaria aí. Na melhor das hipóteses, o dono teve a infelicidade de perder o referido animal quando passava no local e, partícipe desse infortúnio, o autor apropriou-se da res perdida e não a devolveu, mesmo sendo absolutamente possível a localização de seu proprietário, afinal, poucas são as pessoas que perdem vacas coloridas na cidade.
Uns poucos defendiam que de fato o autor se apropriara da vaca encontrada na esquina mas, fiel cumpridor dos seus deveres, não a devolveu pois não soube como fazê-lo, já que a norma não especifica a qual autoridade competente deveria dirigir-se e tampouco transcorreu os 15 dias para que pudesse descobrir isso. Assim, afirmavam que, mesmo cometendo crime, minimamente, teria de ser absolvido.

No fundo, no fundo, EU não posso evitar um sorriso diante da sacada desse(s) cara(s) nesse ato de (sobre)transgressão...
Quem souber ou imagina o que tenha acontecido com ela, me conta!
O dono da vaca, inclusive, oferece uma recompensa para quem devolvê-la ou der pistas do seu paradeiro.
E ao acabar de escrever esse texto, soube por uma fonte que uma segunda vaca teria sumido também. Dessa vez, a que estava na Dr. Timóteo... (será???)

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